quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Que Se Fodam os Governos, Meu Coração Não Tem Fronteiras

Longe de mim querer defender o governo dos aiatolás. Não existe ditado mais equivocado do que “cada povo tem o governo que merece”. Durante meu tempo no Irã, conheci um povo gentil e hospitaleiro vivendo contrariados sob um regime opressor mas que nem por isso querem ajuda externa. Afinal, se retrocedermos 60 anos para compreender como a situação política do Irã chegou onde está, veremos que, na raíz do problema, está exatamente essa “ajuda externa”, obviamente imbuída por interesses escusos.
Gostaria, porém, de propor algumas reflexões afim de equilibrar um pouco a balança sobre uma questão abordada pela mídia de maneira absolutamente tendenciosa.

Há anos os Estados Unidos vem tentando fazer ao Irã o que fez ao Iraque, encontrar uma desculpa para derrubar o regime local e instalar um “governo-fantoche” que defenda seus interesses. O pretexto usado para isso é a suspeita sobre o programa nuclear iraniano. Mas afinal, como o único país a lançar duas bombas atômicas sobre regiões habitadas tornou-se a polícia do mundo para questões nucleares? Por que apoiam o programa nuclear indiano que tem uma indisfarçada finalidade bélica? Por que não começam a desmilitarização por si próprios ou por Israel (que tem um enorme arsenal nuclear)?

Estaríamos caminhando para uma nova Guerra Fria? Já temos até um novo “muro de Berlim” erguido agora em Israel. Por enquanto, podemos ficar tranquilos, o poder concentra-se todo de um lado e dessa forma, a chance de um conflito é menor que a de um massacre. Mas para que esse massacre ocorra sem chocar a opinião pública é preciso criar um preconceito, tão abominável quanto os preconceitos de raça e orientação sexual. Aí está o papel da mídia.

Posso apostar que existem mais lunáticos nos Estados Unidos metralhando inocentes em escolas e cinemas do que homens-bombas no Oriente Médio. Não deveríamos, portanto, em ambos os casos, solidarizarmo-nos com as vítimas e seus familiares da mesma maneira? Ou deveríamos enxergar todo norte-americano como um louco homicida em potencial? Podem escolher o que pensar mas, por favor, sejam coerentes.

Não nos deixam esquecer o 11 de setembro mas talvez ninguém reconheça as datas de 6 e 9 de agosto quando as bombas atômicas foram jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki, respectivamente. Se a primeira delas tinha como finalidade a retaliação ou a expectativa de rendição, a segunda, lançada apenas três dias mais tarde sobre uma nação ainda estarrecida foi desumanamente precipitada.

Não sou a favor de tragédias, lamento cada uma delas. Não sou a favor de tomar um ou outro partido e acredito que é essa, inclusive, a raíz de todo o mal. Mesmo que as nações sejam inescrupulosas e cruéis em sua avidez pelo poder, seus indivíduos não precisam sê-lo. Entretanto é mais fácil mandar que fazer e os governantes não puxam o gatilho. Basta então que recusemo-nos também a fazê-lo.

Dos 19 países que já visitei fui frequentemente acolhido como um irmão, quase sempre tendo apenas minha gratidão com que retribuir. Portanto é nisto que eu acredito, graças mais às pessoas que encontrei pelo mundo do que pela bondade de meu coração rabugento, que somos todos irmãos, todos. Que se fodam os governos, meu coração não tem fronteiras.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Escovando as Asas

Parece que por mais que eu queira preparar-me para partir, planejar o que virá em seguida e deixar todas as coisas em seus lugares para que eu possa ausentar-me, só quando se torna eminente a necessidade de ir embora, é que eu consigo fazê-lo.
Acaba ficando tudo largado, a louça suja na pia, as roupas jogadas e espalhadas pelos cômodos. É assim, parecida a uma casa abandonada por apenas uns dias, que minha mente encontra-se no momento da partida. E é provavelmente por esse motivo que a hesitação persiste mesmo quando o desejo é claro. Não o desejo de partir, mas o de não ficar.
Essa moralidade irredutível desaparecerá, essa consciência da responsabilidade de não deixar nada por fazer, de concluir, de deixar todas as perguntas respondidas, de colocar o ponto final na última frase, do último parágrafo, do último capítulo, talvez afim de poder começar uma história absolutamente nova, sem qualquer raiz.