Longe de mim querer defender o governo dos aiatolás. Não existe
ditado mais equivocado do que “cada povo tem o governo que merece”. Durante meu
tempo no Irã, conheci um povo gentil e hospitaleiro vivendo contrariados sob um
regime opressor mas que nem por isso querem ajuda externa. Afinal, se retrocedermos 60 anos para compreender como a situação
política do Irã chegou onde está, veremos que, na raíz do problema, está
exatamente essa “ajuda externa”, obviamente imbuída por interesses escusos.
Gostaria, porém, de propor algumas reflexões afim de equilibrar
um pouco a balança sobre uma questão abordada pela mídia de maneira
absolutamente tendenciosa.
Há anos os Estados Unidos vem tentando fazer ao Irã o que
fez ao Iraque, encontrar uma desculpa para derrubar o regime local e instalar
um “governo-fantoche” que defenda seus interesses. O pretexto usado para isso é
a suspeita sobre o programa nuclear iraniano. Mas afinal, como o único país a
lançar duas bombas atômicas sobre regiões habitadas tornou-se a polícia do
mundo para questões nucleares? Por que apoiam o programa nuclear indiano que
tem uma indisfarçada finalidade bélica? Por que não começam a desmilitarização
por si próprios ou por Israel (que tem um enorme arsenal nuclear)?
Estaríamos caminhando para uma nova Guerra Fria? Já temos
até um novo “muro de Berlim” erguido agora em Israel. Por enquanto, podemos
ficar tranquilos, o poder concentra-se todo de um lado e dessa forma, a chance
de um conflito é menor que a de um massacre. Mas para que esse massacre ocorra
sem chocar a opinião pública é preciso criar um preconceito, tão abominável
quanto os preconceitos de raça e orientação sexual. Aí está o papel da mídia.
Posso apostar que existem mais lunáticos nos Estados Unidos
metralhando inocentes em escolas e cinemas do que homens-bombas no Oriente
Médio. Não deveríamos, portanto, em ambos os casos, solidarizarmo-nos com as
vítimas e seus familiares da mesma maneira? Ou deveríamos enxergar todo norte-americano
como um louco homicida em potencial? Podem escolher o que pensar mas, por
favor, sejam coerentes.
Não nos deixam esquecer o 11 de setembro mas talvez ninguém reconheça as datas de 6 e 9 de agosto quando as bombas atômicas foram jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki, respectivamente. Se a primeira delas tinha como finalidade a retaliação ou a expectativa de rendição, a segunda, lançada apenas três dias mais tarde sobre uma nação ainda estarrecida foi desumanamente precipitada.
Não sou a favor de tragédias, lamento cada uma delas. Não
sou a favor de tomar um ou outro partido e acredito que é essa, inclusive, a
raíz de todo o mal. Mesmo que as nações sejam inescrupulosas e cruéis em sua
avidez pelo poder, seus indivíduos não precisam sê-lo. Entretanto é mais fácil
mandar que fazer e os governantes não puxam o gatilho. Basta então que recusemo-nos também a
fazê-lo.
Dos 19 países que já visitei fui frequentemente acolhido
como um irmão, quase sempre tendo apenas minha gratidão com que retribuir. Portanto
é nisto que eu acredito, graças mais às pessoas que encontrei pelo mundo do que
pela bondade de meu coração rabugento, que somos todos irmãos, todos. Que se
fodam os governos, meu coração não tem fronteiras.