quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Tabriz, Irã

Talvez a decisão mais louca de toda minha viagem tenha sido a de saltar no meio da noite em Tabriz, Irã.
O ônibus em que eu estava já refletia as dificuldades pelas quais eu passaria. Durante as trinta horas de viagem desde Istambul tive de comunicar-me através de mímicas e desenhos. Apenas dois passageiros falavam um inglês precário. A boa vontade não bastava como ponte entre eu e aquelas pessoas, a maioria bem simples.
Mas enfim ao passar por Tabriz, minha impaciência e impulsividade deram as mãos e saltaram do ônibus, me levando com elas. Quando recobrei a conciência, eram onze da noite, eu estava num país novo com alfabeto, língua e costumes indecifráveis para mim, tentando comunicar ao taxista, que me fitava como se olhasse para um alienígena, que eu precisava encontrar um albergue ou pensão barata.
Após deixar as malas no quarto onde me hospedei, saí à rua gelada caminhando sem direção. Podia escutar um som de multidão distante, certamente havia uma manifestação acontecendo em algum lugar.
Não se trata tanto de coragem mas a questão é mais precisamente que minha curiosidade emerge mais rápido que a série de eventos mentais que me trariam algum juízo e então me atiro às coisas.
Segui o som. Alguns quarteirões mais tarde encontrei uma multidão manisfestando-se com tambores enormes, estandartes e bastões. Em pequenos palanques móveis pessoas gritavam e cantavam.
Eu ignorava completamente o que se passava e pela minha experiência no ônibus não encontraria quem me contasse. Tratava-se, soube apenas na noite seguinte, das celebrações do Shakh Say, morte heróica de um santo xiita, Imam Hossein, neto de Maomé.
Tabriz é uma cidade conservadora, o que traz maior fervor às celebrações que duram todo um mês com distribuição de alimentos, manifestações artísticas, danças e cantos rituais.
Por outro lado, a opressão das leis islâmicas é mais evidente e mais claramente sentida. Nessas cidades a barreira linguística também é maior.
Mas mesmo que muitas vezes eles se considerem um povo à parte, fica nítida sua semelhança com os persas nas tapeçarias e em seu talento nato para as artes.

Apenas homens são permitidos na maioria das manifestações do Shakh Say.






O fervor do espetáculo chega algumas vezes a nos parecer agressivo e assustador.

Comida e chá distribuídos gratuitamente no bazar em Tabriz.

A arquitetura da mesquita e sua explicação. A abóbada e os minaretes representam um homem com os braços erguidos para o céu.

Chegamos ao topo do Castelo de Babak, próximo à cidade de Kalibar, apesar da neve até os joelhos e do vento cortante.



Dizy, carne de carneiro cozida com grão de bico e tomate.


Mesquita Azul.

A solidariedade à Gaza divide opiniões. Alguns concordam, outros julgam que o governo apóie os palestinos em detrimento de ajuda ao seu próprio país.


Comida distribuída nas ruas de Tabriz. A caridade é um traço forte do Islã.

Kandovan. As casas escavadas nas montanhas como em Capadócia.

Carrinho de batata doce.


Em Tabriz a maioria das mulheres usa o Shador.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Itinerary

For those boards now and to correct the lack of a chronological order in blog posts, here I trace the path taken by Jeguetrip.
My plans were to spend twenty days in Berlin visiting a friend and then fly directly to India where I would study Ayurvedic medicine for about six months. Then come back to Brazil. I ended my trip in China thirteen months later without going to India, which was left of being my main goal.
I fell in love with Berlin as soon as I arrived and just left there three months later when the winter came shortening the days and increasing the cold and the wet. Moreover, I ended a relationship kind of “Berlin is too small for both of us”.
Then I thought that Greece would be a better place than India to heal a broken heart. Could not be more wrong. The isolation of the Greek islands empty in winter and its beauty were a devastating shock treatment to me. But finally I was able to dive deep into a forced process of self-knowledge. And the cure came, brought for Time, this brother with whom I have this love and hate relationship because erases regardless friends and lovers from my mind.
Then I took a boat to Turkey to see some cities and to get my visa for India. Specifically I crossed from Rhodes to Marmaris. And went the same night to Istanbul. Istanbul is one city but two continents, Europe and Asia. Divided by the Bosphorus Strait, Istanbul has this fascinating double personality. But my money would not last long. Although cheaper than Europe, Turkey is still far more expensive than most of Asia. So quickly I asked the consulate for a Indian visa that would take 10 days to be ready. I took this meantime to go to Cappadocia from where I have seen pictures while I was still in Brazil.
So there was this Slovenian friend who convinced me that I should not miss the opportunity to see Iran as it was next door. He said the Iranians were an extremely hospitable people and Persian art and architecture worthy of note. The economics of moving over land was also crucial weight in my decision. The wait for the Iran visa made me spend the end of the year in Istanbul.
In early January then I left on a bus heading to Tehran. It would be almost two days of travel in a scenario predominantly covered by snow and ice. However I dropped off in Tabriz (northwest Iran) in the middle of the night. I was in Iran for more than two months. The country was entitled to all that Madison had told me. Unfortunately my visa wouldn’t allow me to stay for “Norooz”, the Persian New Year’s Eve celebrated on March 21 when they started the year 1388. In the time I was there I heard from several other backpackers about the natural beauty of Pakistan and again about a kind and hospitable people. An unique nature relying on some of the highest mountains in the world, a hospitality that was even a tourist attraction, a culture shaped by a maelstrom of historical events and prices “ridiculously” cheap.
I was in Pakistan for four months. The country had in me a strong impact. Despite all the cultural shocks with which was often difficult to handle, I left it with an early longing and a deep gratitude. Traveling has taught me to respect the seasons, so I delayed again my trip to India thinking that China would have a better climate for the summer.
I took the path of China following the KKH. Karakoram Highway is the highest international highway in the world. A road that winds through valleys between mountains and glacial rivers. I came this way to the province of Xinjiang in China, where most of the population belongs to a mixed race called uigur and is predominantly Muslim. Thus they suffer great prejudice of the Chinese government. Some recent protests had caused the government shut down international communications (telephone and Internet) across the entire province. Then I took my first flight since I started to travel over surface, crossing the whole China from west to east and going to stop right in the capital, Beijing. After falling seriously ill twice in a month, I decided it was time to allow my body a rest and decided to return to Brazil. Also I was saturated, it seemed there was no more space to absorb news. It was time to assimilate them.
Before Brazil I spent around 15 days in Berlin where I was hosted with immense affection by Chris. Until I see her I didn’t know exactly what would be the feeling that this meeting would arouse. One outcome full of meaning for a trip even more "profound" than long. Quartered alive today, my heart in Perpignan, my mind in Asia, my body surviving mechanically in a city which I identify myself less than most in which I have been.
But the redeployment also brings rich learning and acceptance of old and new friends softens the impact of return. The inevitable comparisons between these other worlds and mine enrich my perception of all events, yet intensely alive inside of me.

domingo, 22 de novembro de 2009

Salada Fotográfica

Considerando que as últimas postagens não têm fotos, uma miscelânea para alimentar as janelas da alma.

Yazd, Irã. Sobre os telhados das casas com o cuidado de não invadir a sagrada privacidade dos lares muçulmanos.

A chegada do outono em Berlim. Afim de enganar o inverno, as árvores se vestem de fogo.

Berlim e os dias curtos do inverno.

Kalash, Paquistão. Remanescentes de uma cultura em extinção pela pressão islâmica.

É preciso ter estômago forte no Paquistão. Tenho uma teoria que a pimenta desempenha um papel antisséptico na culinária asiática.

Esfahan, Irã.

Santorini, Grécia. Um alerta, a beleza amplifica as dores de cotovelo.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

À sombra de Suas Asas

Se o mundo me tenta demasiadamente para que eu me torne um santo, e isso pra mim é fato já comprovado, melhor perder logo a vergonha na cara. Afinal ser melhor ou pior é muitas vezes questão de ter uma auto-crítica mais ou menos apurada...ou uma hipocrisia mais arraigada, daquelas que engana a quem a ela recorre.
Yasser, um amigo palestino com extrema habilidade em arrancar-me lágrimas dos olhos, perguntou-me:
- Porque você não se compromete, tendo um coração tão bom e uma visão tão lúcida?
Enquanto eu me lembrava, chorando tanto de alegria quanto de dor, respondi-lhe:
- Eu não resisto a beleza do mundo. Minha carne é fraca e a beleza do mundo é tal que quando ela me chama eu vou. Não tenho sua firmeza de caráter.
Até hoje a simples memória de Yasser me emociona e me causa inveja. Mas seus 3 maços de cigarro por dia mostram o alto preço que ele paga por seu comprometimento.
Tenho visto anjos por toda minha vida. E não tendo sua força, à sombra de suas asas, abro as minhas para ser irresponsável e livre.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Aeroporto de São Paulo

Na fila do desembarque de brasileiros do aeroporto de Guarulhos avistei uma chinesa. Logo a sua frente uma loura alta me lembrava as alemãs de Berlim. Imediatamente atrás das duas um negro e em seguida um sujeito com traços árabes.
13 meses de viagem e uma meia-volta ao mundo para encontrá-los dentro de casa.
Aquela interseção de mundo diante dos meus olhos, encheu-os de água.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Pequenas Histórias de Magia

Ashraf e meu retrato
Faço aniversário no final de outubro. Ninguém na turma sabia disso, muito menos o cozinheiro que não falava inglês. Como a maioria dos paquistaneses o fala e com os inúmeros dialetos existentes pelo país, achei desnecessário aprender hurdu, a língua pátria. Eventualmente entretanto as oportunidades que se perde de conversar com algumas pessoas pode ser uma motivação tentadora. Segundo todos ali era esse o caso. O cozinheiro, Ashraf, parecia de fato uma pessoa interessante.
Muitas vezes quando estava entre eles, ficava rabiscando em meu caderno. Até que um dia Ahraf pediu-me o caderno e mandou me avisar que faria um retrato meu.
Ele olhava atentamente para mim e para o caderno e eu estava um pouco desconcertado e bastante curioso. Enfim entregou-me o caderno com o desenho pequenino de meu signo, um escorpião. Intrigado eu perguntava a ele porque ele desenhara aquilo e ele imaginando minha confusão, apenas gargalhava na minha frente.

A Borra de café
Logo antes de deixar Istambul pedi a Olcay (pronuncia-se Oltchay) para ler minha sorte na borra de café.
Os turcos e armênios têm o costume de fazer o café misturado ao pó. Você o espera decantar antes de tomá-lo e então no final resta uma borra no fundo da xícara que você tampa com o pires, gira 3 vezes e vira de cabeça para baixo. Ao esfriar sua sorte está pronta para ser lida.
Tomamos o café na cozinha de Olcay, virei a xícara e aguardei impacientemente para que ela esfriasse. Entreguei-a então a Olcay que, entre outras coisas, me disse:
- Vejo lágrimas no seu caminho mas não me parecem lágrimas de tristeza. Me parece uma espécie de celebração com muitas pessoas.
Dias depois tomava o ônibus de Istambul a Teerã e ao passar por Tabriz no meio da noite, um desejo me impeliu a descer.
Bastante conservadora, Tabriz celebra o Shakh Say, morte heróica do Imam Hossein (o patriarca dos xiitas), com fervor. Entre as muitas cerimônias que presenciei havia uma em que os homens em roda forçavam um pranto estridente até que as lágrimas lhes escorressem pela face. Sempre imaginei que os oráculos nos revela o futuro através de rebuscadas metáforas, entretanto a previsão de Olcay se concretizava ali exatamente como ela havia descrito.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Deixando o Paquistão (in english as well)

Os Deuses Montanhas se recusam a despedir-se de mim. Rakaposhi, Lady Finger, Hunza Peak, Ultar 1, Ultar 2, Diran, Golden Peak, todos eles escondem-se atrás das nuvens.
Os demais amigos vem despedir-se trazendo presentes que me emocionam.
Hunza é o mais perto que já cheguei do Céu.
Despeço-me do Paquistão subindo Karakoram Highway, a estrada internacional mais alta do mundo, olhando meus amigos Gigantes para levá-los na memória e no peito que aperta.
Despeço-me do Paquistão com uma saudade antecipada e uma gratidão profunda.
- Até logo, Insha Allah nos veremos de novo.

LEAVING PAKISTAN
The Gods Mountains reffuse to say Goodbye. Rakaposhi, Lady Finger, Hunza Peak, Ultar 1, Ultar 2, Diran, Golden Peak, all of them hide theirselves behind the clouds.
My other friends bring me gifts that touch me.
Hunza is the closest that I have been to the Sky.
I say goodbye to Pakistan riding up Karakoram Highway, looking my Mountain friends to take them with me in my memory and my heart. They are already there.
I say goodbye to Pakistan missing it already and deeply thankful.
- Goodbye Pakistan, see you, Insha Allah.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Ko e o sotaque japonês (in english as well)

Em Hunza, num restaurante que nos oferece vista para Rakaposhi, um Deus Montanha de 7788 metros, Ko pegou seu violão e começou a tocar de uma maneira tal que me arrepiei e aproximei-me para ouvir.
Então ele virou-se pra mim, sorriu e disse sem parar de tocar:
- I am praying. (Estou rezando)
Mais tarde, comentei com Justin, um amigo havaiano, sobre a cena e ele explicou-me que para os japoneses é difícil pronunciar o "L". Ko havia dito apenas:
- I am playing. (Estou tocando)
Mas ao ouvir Ko tocar, não há dúvidas de que ele está conversando com Deus.

KO AND THE JAPANESE ACCENT
In Hunza, in a restaurant that offer us a view of Rakaposhi, a God Mountain with its 7788 meters, Ko started to play his guitar giving me goosepumps. I went closer and he said to me:
- I am praying.
Later I found out that is hard for the japanese to say "L" properly. Ko just said:
- I am playing.
But when Ko plays that is no doubt that he is talking to God.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Histórias plausíveis (O garoto e o Elefante)

Um garotinho pequeno aproximou-se e me disse:
- Quando eu estiver na Índia, falarei aos elefantes, eles têm orelhas grandes e me poderão ouvir.
Tomado de sincera curiosidade, perguntei a ele o que, afinal, ele diria aos elefantes. Ao que me respondeu:
- Se pudesses escutar-me, não precisaria ir a Índia ter com os elefantes.

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Durante muito tempo fui um vendedor de mentiras. Trabalhei por algo que não condizia com minhas crenças. Convencia as pessoas de uma receita de felicidade que não servia a mim mesmo. Para redimir-me do erro, passei a falar sobre o que eu acredito. Mesmo que essas receitas sejam tantas quantas são as pessoas, sentia falta de agir coerente. A história acima tem a ver com esse momento. Embora ainda tenha o desejo de conhecer a Índia, é mais prudente respeitar as estações e evitá-la em pleno verão. Tomo, portanto, o caminho pra China. Meu visto sai em cinco dias. Fico pra ver o Festival de Shandur e parto em seguida...Insha Allah.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Chitral (photos)

Paquistaneses jogando com a camisa da seleção brasileira. Mesmo que eles não saibam se o Brasil fica na Europa ou na África.
O futebol colocou o Brasil no mundo. Não importa onde, todos conhecem esse nosso talento.

Ele me disse que era jornalista, agora é um "pagal". Faz algum sentido, não?


Apenas mais uma loja nas ruas de Chitral.

Não se pode dizer que tudo sejam flores. Outro dia resolvi dizer a um sujeito que acho cruel a maneira como eles tratam as mulheres no Islã. Em Chitral, a maioria das mulheres adultas que vi (quando as via), usava a burca.

A decoração dos caminhões continua me fascinando.



O cozinheiro...

...o rango.


Também em Chitral, crescendo nas ruas por todos os lados.


Um dos meus restaurantes preferidos em Chitral. Não há na maioria das cidades do Paquistão nenhum lugar mais "arrumado". Tudo é muito simples e pobre mas encontrei vários mochileiros que se sentem bastante atraídos pela comida paquistanesa. Para um brasileiro entretanto não há em lugar algum comida que se compare a do meu país.

sábado, 20 de junho de 2009

Laspur (photos)

Laspur é uma vila pequenina onde fui obrigado a passar um dia a caminho de Chitral. O povo é predominante Ismaili, uma das vertentes mais moderadas do Islã.




Os Iaquis, uma espécie de touro peludo.




O final da caminhada e ao fundo, Laspur.