quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Pequena Grande Curaçao

O fundo azul da bandeira de Curaçao representa céu e mar, separados por uma faixa amarela simbolizando o sol no horizonte. A princípio pode parecer estranho que as duas estrelas que representam as ilhas, Curaçao e Klein Curaçao, que compõem o país apareçam no céu e não no mar, mas basta conhecer esse lugar paradisíaco e a coisa começa a fazer todo o sentido.

Uma deliciosa mistura

O encanto de Curaçao vai muito além de praias oníricas. Sua multiculturalidade é desproporcional às dimensões reduzidas da ilha. E reflete-se em tudo, a começar pela língua. O papiamento se origina da mistura de seis idiomas: português, espanhol, francês, holandês, inglês e um dialeto africano. Além dele, a grande maioria dos habitantes fala também holandês, inglês e espanhol. Com tantas possibilidades, comunicar-se é, certamente, muito fácil.
Toda essa miscelânia tem explicação na história do país, que já teve nomes como Ilha dos Gigantes, por causa dos índios que habitavam a ilha antes do descobrimento e Ilha Inútil, nome dado pelos espanhóis, frustrados pela busca vã de metais preciosos.
Durante sua colonização passou pelas mãos de ingleses, franceses, espanhóis e holandeses, sendo desses últimos que herdaram sua maior influência como pode-se notar pelas casas da capital Willemstad.

Charmosa capital

Cidade-porto, a capital é dividida pela Baía de Santa Anna e as características casas à sua margem são tombadas pela Unesco.
O bairro de Punda, hoje predominantemente comercial, foi o primeiro da capital. Suas lojas se espalham por um labirinto de ruelas estreitas, misturando artigos locais e marcas famosas, numa zona duty free que proporciona um agradável passeio e excelentes compras aos viajantes.
Do outro lado da ponte flutuante Rainha Emma, está Otrobanda (outra banda ou outro lado). Mais eclético que Punda, o bairro apresenta um charme bastante diferente, “mais provinciano”. Um dos lugares curiosos do bairro é o Mercado Velho (chamado de Plasa Bieu), um galpão com restaurantes cujos pratos atraem turistas e nativos. Aí é possível provar um pouco da culinária local, inclusive as exóticas sopas de quiabo, de cactos e, em certas ocasiões, de iguana.


Feira flutuante

Ainda hoje, o país continua a atrair diferentes povos que vão influenciando a cultura e criando um lugar único e pitoresco.
Um interessante exemplo disso, também em Otrobanda, é a feira flutuante. Um barqueiro venezuelano foi obrigado certa vez a aportar em Willemstad para reparar seu barco e, tendo frutas a bordo, resolveu vendê-las para que não estragassem. Hoje a feira de frutas, verduras e legumes, predominantemente formada por venezuelanos, é parte do cotidiano de Curaçao.



Baladas

Depois do sol se pôr, é hora de ótimas baladas aquecerem as noites da ilha. Excelente oportunidade para locais e turistas se misturarem, cada lugar tem sua noite específica na semana. Por exemplo, às terças e quintas, o sofisticado restaurante O Mundo transforma-se em casa noturna e garante com excelente música ao vivo que ninguém fique parado.
Outra balada imperdível são as noites de sábado e domingo em Mambo Beach, que funciona também diariamente como bar e restaurante. Ao ar livre e à beira do mar, DJs agitam a noite dos finais de semana. Sempre recomendável, entretanto, ficar atento a seus pertences e carregar apenas o necessário.

Praias paradisíacas

As praias de Curaçao são geralmente pequenas e ladeadas por rochedos. Suas águas extremamente transparentes e muito calmas, as tornam verdadeiras piscinas naturais. Algumas delas são exclusivas de determinados hotéis. Em outras paga-se uma pequena entrada (nada que pese no bolso).
Mas as praias gratuitas e públicas não deixam nada a desejar, muito ao contrário, são as mais belas da ilha. É o caso de Kenepa, sem dúvida a “menina dos olhos” de Curaçao, que fica a 40 minutos de Willemstad. A visão, quando se chega a ela pela lateral, sobre um dos rochedos que a ladeiam, é simplesmente hipnótica. Orgulhosa, a guia nos conta que a praia foi cenário do filme Lagoa Azul. De características parecidas, Cas Abao, oferece um pouco mais de infra-estrutura e sombras para os que precisam se resguardar do sol. As areias escuras de Playa Forti são uma característica atípica às demais praias de Curaçao mas as águas são da mesma inacreditável transparência.
Se as praias de Curaçao impressionam, a pequena ilha de Klein Curaçao está, mesmo depois de conhecê-las, muito além de qualquer expectativa. O catamarã Jonalisa To transporta diariamente cerca de 60 turistas até a ilha deserta e serão provavelmente apenas eles que você encontrará por lá. O trajeto leva cerca de uma hora e o passeio dura o dia inteiro. Almoço e bebidas estão incluídos no pacote. E claro, snorkels e nadadeiras disponíveis para todos. Basta cair na água para observar, buscando sombra embaixo do barco, um enorme cardume. Algum tempo dentro d’água e aqui e acolá alguém exclama que viu uma tartaruga, uma arraia ou mais provavelmente, ambos. Na ilha encontram-se também um farol abandonado e a carcaça de um velho navio. São itens “obrigatórios”: protetor solar e uma câmera sub-aquática.

Kenepa.

Kenepa.

Playa Forti.

Cas Abao.

Klein Curaçao.

Show de golfinhos

Mesmo que Curaçao puxe pelo exotismo, não poderia faltar-lhe algumas das tradicionais atrações do Caribe. No Sea Aquarium, além do show de golfinhos, pode-se ver uma extensa amostra da fauna marinha e até ter contato com alguns animais.


Uma Memória Dolorosa

Apesar da beleza da ilha, o país não esconde os pecados de sua história. No Museu da Escravidão Kura Hulanda, a Senhora Yflen Florentina-Ephrosina, negra, conta enfaticamente o passado de seu povo.
“Tenho um coração muito duro e orgulho de ser negra.” – diz ela quando perguntada como se sente sendo guia do Museu. E completa – “Há vezes que tenho que consolar alguns visitantes que se emocionam.”
O museu encontra-se dentro do hotel homônimo que também merece uma visita. Os 80 quartos, individualmente decorados, são feitos em casas tombadas pela Unesco.
Bebendo água do mar
Pequena e sem fontes naturais de água potável, a água que abastece a ilha é dessalinizada por uma empresa chamada Aqualectra que produz entre 13 e 14 milhões de metros cúbicos de água doce por ano.


Detalhe importante

Apesar do dólar ser amplamente aceito no país, pelo risco de falsificação, em alguns lugares notas de cem dólares não são “bem vistas”. O ideal é ter dinheiro trocado e se possível, alguns florins no bolso para o caso de compras em lugares mais isolados.

Fama internacional, tema local

O tradicional colorido intenso do Caribe está presente nas pinturas da artista local Nena Sanchez.  Com duas galerias, uma em Punda e outra mais isolada, em Willibrodus, a obra da artista plástica reflete alegremente a arquitetura, a privilegiada natureza e a variedade étnica de Curaçao.



segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

São Gonçalo do Rio das Pedras...e de Muito Mais


Memória

 “Os piores caminhos, os melhores lugares”. Mesmo que essa máxima não reflita necessariamente a verdade, uma coisa é certa: quanto mais inacessíveis, mais intocados são os lugares. São Gonçalo reflete bem isso. O passado permanece intacto nas suas casas coloniais, na sua rua de pedras e na memória das famílias locais.
Quando se chega em São Gonçalo do Rio das Pedras, a primeira impressão que se tem, é de sermos os primeiros turistas do local. Não apenas pela sua preservação mas também porque o acolhimento é único.
Muitos viajantes conhecem mais de um São Gonçalo. Só em Minas Gerais, há São Gonçalo do Sapucaí, do Pará, do Rio Abaixo, do Rio Preto, do Rio das Pedras e provavelmente alguns outros.
Mas mesmo São Gonçalo do Rio das Pedras, mostra-se um vilarejo diferente para cada visitante que recebe. Mais do que um arraial belo e tranqüilo e uma natureza privilegiada, o local é repleto de histórias interessantes e curiosos personagens de prosa fácil.






Progresso no Ritmo do Interior

Passado recente, progressos como a luz e o telefone ainda estão vivos na memória dos habitantes de São Gonçalo. Perguntada como se tornou uma contadora de “causos”, Dona Helena lembra, antes de mais nada, o dia exato, em 13 de setembro de 1981, que a luz chegou ao vilarejo e como, com ela, a televisão substituiu a tradição da família de contar histórias ao redor do fogo. Para dar mais vida à história, mostra o local preciso onde se reunia com os pais e os irmãos e aponta para o telhado, ainda negro de fuligem.
Nos fundos do Bar do Ademil, uma série de telefones me chama a atenção e ele então, me conta que era, há menos de dez anos, o operador do único posto telefônico do vilarejo e como os garotos que levavam os recados cobravam pela distância percorrida.
Hoje, a chegada da estrada é um novo progresso que divide a opinião dos moradores do vilarejo e reabre a freqüente discussão, progresso versus preservação.
Talvez tenha sido o difícil acesso, o responsável por São Gonçalo ter resistido ao “amplo descobrimento” por tanto tempo. O vilarejo já foi muito assediado, tendo sido, inclusive, cenário do filme “O Padre e a Moça” de 1965, com direção de Joaquim Pedro de Andrade e participação de Mário Lago.


A "gnoma" Dona Helena.



Estrada Real

Muito antes que se falasse em Estrada Real, em 1976, duas suíças, resolveram caminhar de Conceição do Mato Dentro até Diamantina, levando sua bagagem no lombo de um burro alugado. Contando com a hospitalidade dos fazendeiros, almoçavam nas suas propriedades. Descobrindo então em São Gonçalo, uma casa à venda, Anna montou lá uma colônia de férias e mais tarde a primeira pousada do arraial, o Refúgio dos Cinco Amigos. Hoje a história de Anna e São Gonçalo se misturam em inúmeros pontos. Por exemplo, tendo feito na Suíça, Artes Plásticas em Tapeçaria, Anna ensinou esse ofício à crianças e moradoras locais que hoje fazem disso sua fonte de renda.

A suíça Anna, dona da Pousada Cinco Amigos, que descobriu São Gonçalo em sua própria "jeguetrip". Ao seu lado uma de suas tapeçarias.

Alta Gastronomia e Inglês na Serra do Espinhaço

Peter Edwards é outro estrangeiro que se instalou no local. Norte-americano de Boston, Peter dá em sua pousada, Pousada do Capão, cursos de imersão em inglês. Mas sua  verdadeira paixão é a gastronomia. Muito atento e sensível aos desejos dos viajantes, seus pratos podem ser um delicioso break na comida mineira, para os viajantes que estão há muito nas estradas de Minas, ou o uso bem criativo de ingredientes locais.

Detalhe da Pousada do Capão


A lenda da Igreja Matriz (tirado da Wikipedia)

Duas crianças brincavam próximas a uma goiabeira quando encontraram a imagem de um santo. Seus pais, vendo-a, levaram-na em romaria à capela mais próxima, em Milho Verde.
No dia seguinte as crianças encontraram novamente a imagem e assustados, seus pais reuniram de novo uma romaria afim de retorná-la para a capela. No caminho notaram pequenas pegadas que julgaram terem sido feitas pela imagem. Entenderam, assim, que o santo gostaria de ficar no local onde fora encontrado e construíram lá a Igreja Matriz de São Gonçalo.

Rancho de Tropas e Moinhos

Logo na chegada, próxima à ponte, duas interessantes atrações históricas para os visitantes:  o Rancho de Tropas (um dos dois únicos remanescentes),  local que servia de descanso e troca de mercadorias entre os tropeiros que levavam alimentos aos garimpos no século XIX e moinhos centenários usados para fazer fubá que ficam no caminho para a cachoeira do Comércio.




Pôr-do-sol de Camarote
São Gonçalo encontra-se sobre um platô rochoso de onde pode-se contemplar maravilhosos por-do-sol. Um dos lugares mais propícios para isso é no final da rua do Comércio.




Cachoeira da Rapadura

Ao redor de São Gonçalo, há várias caminhadas interessantes que levam a partes pouco exploradas da Estrada Real, cachoeiras e picos. Uma delas que vale destaque, a Cachoeira da Rapadura possui duas quedas d’água subterrâneas. A luz do sol refletida na primeira queda ilumina a caverna e a segunda queda por cerca de apenas uma hora por dia.


A pedra que dá origem ao nome cachoeira da Rapadura. É nesse ponto que, seguindo o som da água, encontra-se a entrada da cachoeira.

Caminho dos Diamantes

Saindo de BH, os caminhos cruzam-se com a Estrada Real na altura de Conceição do Mato Dentro.
Dali é possível seguir para Serro pela rodovia MG-10, mais curta mas de tráfego pesado, ou por Córregos, pela Estrada Real, um caminho certamente bem mais atraente.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Que Se Fodam os Governos, Meu Coração Não Tem Fronteiras

Longe de mim querer defender o governo dos aiatolás. Não existe ditado mais equivocado do que “cada povo tem o governo que merece”. Durante meu tempo no Irã, conheci um povo gentil e hospitaleiro vivendo contrariados sob um regime opressor mas que nem por isso querem ajuda externa. Afinal, se retrocedermos 60 anos para compreender como a situação política do Irã chegou onde está, veremos que, na raíz do problema, está exatamente essa “ajuda externa”, obviamente imbuída por interesses escusos.
Gostaria, porém, de propor algumas reflexões afim de equilibrar um pouco a balança sobre uma questão abordada pela mídia de maneira absolutamente tendenciosa.

Há anos os Estados Unidos vem tentando fazer ao Irã o que fez ao Iraque, encontrar uma desculpa para derrubar o regime local e instalar um “governo-fantoche” que defenda seus interesses. O pretexto usado para isso é a suspeita sobre o programa nuclear iraniano. Mas afinal, como o único país a lançar duas bombas atômicas sobre regiões habitadas tornou-se a polícia do mundo para questões nucleares? Por que apoiam o programa nuclear indiano que tem uma indisfarçada finalidade bélica? Por que não começam a desmilitarização por si próprios ou por Israel (que tem um enorme arsenal nuclear)?

Estaríamos caminhando para uma nova Guerra Fria? Já temos até um novo “muro de Berlim” erguido agora em Israel. Por enquanto, podemos ficar tranquilos, o poder concentra-se todo de um lado e dessa forma, a chance de um conflito é menor que a de um massacre. Mas para que esse massacre ocorra sem chocar a opinião pública é preciso criar um preconceito, tão abominável quanto os preconceitos de raça e orientação sexual. Aí está o papel da mídia.

Posso apostar que existem mais lunáticos nos Estados Unidos metralhando inocentes em escolas e cinemas do que homens-bombas no Oriente Médio. Não deveríamos, portanto, em ambos os casos, solidarizarmo-nos com as vítimas e seus familiares da mesma maneira? Ou deveríamos enxergar todo norte-americano como um louco homicida em potencial? Podem escolher o que pensar mas, por favor, sejam coerentes.

Não nos deixam esquecer o 11 de setembro mas talvez ninguém reconheça as datas de 6 e 9 de agosto quando as bombas atômicas foram jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki, respectivamente. Se a primeira delas tinha como finalidade a retaliação ou a expectativa de rendição, a segunda, lançada apenas três dias mais tarde sobre uma nação ainda estarrecida foi desumanamente precipitada.

Não sou a favor de tragédias, lamento cada uma delas. Não sou a favor de tomar um ou outro partido e acredito que é essa, inclusive, a raíz de todo o mal. Mesmo que as nações sejam inescrupulosas e cruéis em sua avidez pelo poder, seus indivíduos não precisam sê-lo. Entretanto é mais fácil mandar que fazer e os governantes não puxam o gatilho. Basta então que recusemo-nos também a fazê-lo.

Dos 19 países que já visitei fui frequentemente acolhido como um irmão, quase sempre tendo apenas minha gratidão com que retribuir. Portanto é nisto que eu acredito, graças mais às pessoas que encontrei pelo mundo do que pela bondade de meu coração rabugento, que somos todos irmãos, todos. Que se fodam os governos, meu coração não tem fronteiras.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Escovando as Asas

Parece que por mais que eu queira preparar-me para partir, planejar o que virá em seguida e deixar todas as coisas em seus lugares para que eu possa ausentar-me, só quando se torna eminente a necessidade de ir embora, é que eu consigo fazê-lo.
Acaba ficando tudo largado, a louça suja na pia, as roupas jogadas e espalhadas pelos cômodos. É assim, parecida a uma casa abandonada por apenas uns dias, que minha mente encontra-se no momento da partida. E é provavelmente por esse motivo que a hesitação persiste mesmo quando o desejo é claro. Não o desejo de partir, mas o de não ficar.
Essa moralidade irredutível desaparecerá, essa consciência da responsabilidade de não deixar nada por fazer, de concluir, de deixar todas as perguntas respondidas, de colocar o ponto final na última frase, do último parágrafo, do último capítulo, talvez afim de poder começar uma história absolutamente nova, sem qualquer raiz.

domingo, 15 de setembro de 2013

Itinerário

Para quem embarca agora e para corrigir a falta de uma ordem cronológica nas postagens do blog, traço aqui o caminho percorrido pela Jeguetrip.
Meus planos eram passar vinte dias em Berlim visitando uma amiga e em seguida voar direto para Índia onde estudaria medicina ayurvêdica por cerca de seis meses. Em seguida voltaria ao Brasil. Encerrei minha viagem na China treze meses mais tarde sem passar pela Índia, que deixou logo no princípio de ser minha meta principal.
Apaixonei-me por Berlim assim que cheguei e só saí de lá três meses depois quando o inverno chegou encurtando os dias cada vez mais frios e úmidos. Além disso, terminei um relacionamento do gênero “Berlim é pequeno demais para nós dois”.
Imaginei então que a Grécia seria um lugar melhor que Índia para curar o coração partido. Não poderia estar mais enganado. O isolamento das ilhas gregas vazias no inverno e sua beleza devastadora foram um tratamento de choque para mim. Mas enfim tive oportunidade de mergulhar fundo num processo forçado de auto-conhecimento. E a cura veio trazida pelo irmão Tempo com quem tenho essa relação difícil pois apaga indiscriminadamente de nossa mente amigos e amantes.
Tomei então um barco para Turquia para conhecer algumas cidades e conseguir meu visto para Índia. Mais precisamente cruzei de Rodes a Marmaris. Dirigi-me na mesma noite a Istambul. Istambul é uma cidade e dois continentes, Europa e Ásia. Dividida pelo estreito de Bósforo, Istambul possui essa dupla personalidade fascinante. Mas meu bolso não me permitiria ficar por muito tempo. Apesar de mais barata que Europa, Turquia ainda é bem mais cara que a maior parte da Ásia e eu seguia só gastando. Assim rapidamente solicitei ao consulado da Índia um visto que demoraria 10 dias para ficar pronto. Aproveitei o meio tempo para ir à Capadócia, de onde vira fotos enquanto ainda estava no Brasil.
Lá fiquei amigo de um esloveno que convenceu-me que eu não deveria perder a oportunidade de conhecer o Irã já que estava ali ao lado. Segundo ele, os iranianos eram um povo extremamente hospitaleiro e a arte e arquitetura persas dignas de nota. A economia de deslocar-me por terra também teve peso crucial na minha decisão. A espera pelo visto iraniano fez-me passar o fim do ano em Istambul.
No início de janeiro parti então num ônibus rumo a Teerã. Seriam praticamente dois dias de viagem num cenário predominantemente coberto por neve e gelo. Encurtei entretanto a viagem decidindo saltar em Tabriz (noroeste do Irã) no meio da noite. Estive no Irã por mais de dois meses. O país fazia jus a tudo o que Madison me dissera. Infelizmente por motivos de visto fui obrigado a deixar o país logo antes do “Norooz”, o Ano Novo persa comemorado em 21 de março, quando eles entraram no ano de 1388. No tempo em que estive por lá ouvi de vários outros mochileiros sobre as belezas naturais do Paquistão e novamente sobre um povo gentil e hospitaleiro. Uma natureza inigualável contando com algumas das montanhas mais altas do mundo, uma hospitalidade que chegava a ser atração turística, uma cultura moldada por um turbilhão de acontecimentos históricos e preços “ridículos” de tão baratos.
Estive no Paquistão por quatro meses. O país teve em mim um impacto profundo. Nunca voltamos os mesmos das viagens que fazemos mas o Paquistão foi para mim de fato profundamente transformador. Apesar de todos os choques culturais com os quais muitas vezes foi difícil lidar, saí de lá com uma saudade antecipada e uma gratidão profunda. Viajar ensinou-me a respeitar as estações, assim protelei mais uma vez minha ida a Índia imaginando que seria um clima mais propício para o verão.
Tomei o caminho da China seguindo pela KKH. Karakoram Highway é a estrada internacional mais alta do mundo. Uma estrada que serpenteia por vales entre rios glaciais e montanhas enormes. Cheguei dessa forma à província de Sinjang na China, onde a maioria da população pertence a uma raça mestiça chamada wigor e é predominantemente muçulmana. Com isso eles sofrem grande preconceito do governo chinês. Alguns protestos recentes haviam feito com que o governo cortasse as comunicações internacionais (telefonia e internet) em toda a província. Tomei então meu primeiro vôo desde que comecei a deslocar-me pela superfície terrestre, cruzando a China praticamente toda de oeste a leste e indo parar direto na capital, Pequim. Depois de cair gravemente enfermo duas vezes em um mês, decidi que era hora de permitir a meu corpo um descanso e resolvi voltar ao Brasil. Além disso senti-me saturado, parecia não haver mais espaço para absorver as novidades. Era hora de assimilá-las.
Antes do Brasil passei mais 15 dias em Berlim onde fui acolhido com um imenso carinho pela Chris. Até vê-la não sabia exatamente qual seria o sentimento que esse encontro despertaria. Um desfecho cheio de significados para uma viagem ainda mais “profunda” do que longa. Vivo hoje esquartejado, meu coração em Perpignan, minha mente na Ásia, meu corpo mecanicamente sobrevivendo numa cidade com a qual me identifico menos do que a maioria nas quais estive.
Mas a readaptação também traz ricos aprendizados e a acolhida de velhos e novos amigos ameniza o impacto do retorno. As comparações inevitáveis entre esses outros mundos e o nosso enriquecem minha percepção de todos os acontecimentos, ainda intensamente vivos dentro de mim.




terça-feira, 10 de setembro de 2013

As Portas de Kharanaq - Irã (photos)

Kharanaq é uma vila no deserto, próxima a Yazd, no Irã. Circundada por morros baixos completamente despidos de vegetação, Kharanaq possui a energia mística  típica dos desertos, leve mas quase palpável de tão intensa.
Em frente a um pequeno castelo em ruínas,  havia uma guest-house na qual fui trabalhar por comida e acomodação.
Um dia recebemos a visita de dois arquitetos que trabalhavam com restauração e fomos com eles visitar as ruínas do castelo. Enquanto caminhávamos, eles nos explicavam o motivo de alguns detalhes da construção.
Algo que sempre me intrigava era a "pequinez" das portas de algumas casas.
Um deles então explicou-me que, para passar pela porta, as pessoas viam-se obrigadas a curvar-se, demonstrando respeito aos que já se encontravam no aposento.
Meses depois continuo odiando essas portas pequenas que ainda me criam galos quando bato minha arrogância contra elas.

A minarete do castelo. Para subir ao topo a passagem é tão estreita que tive a impressão que ficaria entalado.


O projeto de restauração do castelo.


Sebastian, um dos donos do Silk Road em Yazd e da Guest House em Kharanaq. Um grande amigo. Apesar dos óculos, um sujeito de excelente "visão".


Um brasileiro no deserto do Irã e acontece o quê? Chove.



Um dos meus trabalhos árduos em Kharanaq, entreter oito jovens iranianas.




Essas crianças apareceram na Guest House na minha primeira manhã em Kharanaq. Um bom presságio.



Cerveja sem álcool, claro. Mas que sentido tem, então?







Um pé de pistache.